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"Um dia, Assis não se sabe como, o rapaz começou a bater pandeiro. Tanto que surrou, que sentiu sua alma vestida de malandro, com sua calça listrada, camisa de meia manga "palheta", e com muita vontade de brigar, tornou-se um dos nossos grandes compositores e sambistas daquela época ".
















sábado, 29 de maio de 2010

Coleção Raízes da Folha MPB

Dono de clássicos do samba, como "E o Mundo Não se Acabou" e "Brasil Pandeiro", o baiano Assis Valente fez história na música popular brasileira. Vivendo no Rio desde o fim da década de 20, começou a compor quando o samba entrava no auge da popularidade em todo o país. "Brasil, esquentai vossos pandeiros, iluminai os terreiros, que hoje eu quero sambar" e "Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar" até hoje são cantados pelos brasileiros. São versos oriundos da fase mais produtiva da carreira de Valente, que durou até o fim da dos anos 40.
Na década seguinte, sua obra começou a cair no esquecimento e, no dia 10 de março de 1958, acabou com a própria vida tomando formicida com guaraná. Tinha 50 anos quando se suicidou e dedicou quase 30 à criação de sambas e outros clássicos do cancioneiro brasileiro, como "Cai, Cai Balão", "Camisa Listrada" e "Boas Festas". Ao todo, foram cerca de 150 canções.
José de Assis Valente, segundo sua certidão de casamento, nasceu na cidade baiana de Pateoba, em 19 de março de 1908, mas o próprio já afirmou em vida que Santo Amaro da Purificação é sua cidade natal. Teve uma infância difícil, agravada com o fato de ter sido tirado dos pais, José Assis Valente e Maria Esteves Valente. Foi criado por uma família na cidade de Alagoinhas, que o tratava como empregado, até se mudar para Salvador. Lá fez cursos de desenho e se especializou na fabricação de próteses dentárias, profissão que manteve até o fim da vida.
Em 1927, decidiu tentar a vida no Rio trabalhando como protético e desenhista. Depois de conhecer o sambista Heitor dos Prazeres, entrou para o mundo da música. Sua primeira composição foi feita em 1932, o samba "Tem Francesa no Morro", logo gravado pela cantora Aracy Cortes. Mas foi na voz de Carmen Miranda que suas canções ficaram conhecidas. Depois de ver o show da cantora não sossegou enquanto não se aproximou. Especialmente para ela, compôs, ainda em 1932, o samba "Good Bye, Boy", que virou sucesso.
A década de 30 foi marcada por uma intensa produção musical. Carmen Miranda gravou nesse período "Etc", "Tão Grande, Tão Bobo", "Lulu", "Sapateia no Chão", "Minha Embaixada Chegou", "Recadinho de Papai Noel", "Por Causa de Você, Ioiô", "E Bateu-se a Chapa", "Isso Não se Atura", "Ô", "Té Já" , "Fala Meu Pandeiro", "E o Mundo Não se Acabou" e "Camisa Listrada", entre outras. Foram ao todo 25 músicas na voz de Carmen.
Nos anos 30, Aurora Miranda, irmã de Carmen, Moreira da Silva, Francisco Alves, Bando da Lua, Elza Cabral, Irmãs Pagãs, Almirante, Mário Reis, Sônia Carvalho, Orlando Silva e Carlos Galhardo também incluíram Valente em seus repertórios. Galhardo foi o primeiro a gravar "Boas Festas", música natalina popularizada no Brasil pelos versos "Eu pensei que fosse filho de Papai Noel". As canções de Assis Valente retratavam o dia-a-dia do Rio na época. Para Ricardo Cravo Albin, estudioso da MPB, Valente era um cronista das ruas, da alma e do cotidiano. "Foi o primeiro baiano que se transformou em carioca de alma".
Em 1940, Assis Valente deixou para a música brasileira aquela que viria ser uma de suas obras mais importantes, "Brasil Pandeiro", e sua marca definitiva no estilo samba-exaltação, criado por Ary Barroso para enaltecer as belezas do país e o valor do povo brasileiro. Sua principal intérprete, Carmen Miranda, logo que voltou dos Estados Unidos, se negou a gravar a música composta especialmente pra ela. O grupo Anjos do Inferno se encarregou do feito, transformando-a em sucesso. Carmen gravou sua última música de autoria do compositor, "Recenseamento", naquele mesmo ano.
Em 1941, logo após o casamento com Nadili da Silva Santos, um fato que marcou a vida do compositor foi a tentativa de suicídio se jogando do Corcovado. Não conseguiu. Foi salvo por ter ficando enganchado a uma árvore. A experiência lhe rendeu o samba "Fez Bobagem". Teve apenas uma filha, Nara Nadili.
Após o auge da década de 30 e parte dos anos 40, a produção musical de Assis Valente entrou em declínio. Sua última composição, "Boneca de Pano", data de 1950 e foi gravada pelo conjunto Quatro Ases e Um Coringa. Segundo o estudioso da MPB Ricardo Cravo Albin, na década de 50, apesar de continuar trabalhando como protético e compondo, decaiu financeiramente, pois suas músicas já não eram mais tocadas. Em 1956, a cantora Marlene tentou fazer um resgate de sua obra com o disco "Marlene Apresenta Sucessos de Assis Valente".
Quase 20 anos, em 1972, o grupo Novos Baianos gravou "Brasil Pandeiro" e resgatou o sucesso da música. Na década de 70, artistas como Maria Bethânia, Chico Buarque, Nara Leão e Maria Alcina também gravaram canções de Assis Valente. Na década de 90, "Brasil Pandeiro" voltou a se popularizar por causa de uma campanha publicitária para a Copa do Mundo. Nessa mesma época, a cantora Adriana Calcanhoto gravou "E o Mundo Não se Acabou".

Contexto histórico

O auge da carreira de Assis Valente coincidiu com a época de ouro do rádio brasileiro, tendo no samba seu maior representante. A cantora Carmen Miranda, uma das mais famosas intérpretes da época, tratou de divulgar sua obra no rádio e nos discos. Foram ao todo 25 músicas gravadas por ela.
Valente foi um dos compositores que mais retrataram em suas canções a brasilidade, aproveitando para fazer crônicas alegres, recheadas de críticas leves, aos acontecimentos da época. Criticava a influência estrangeira na cultura nacional, como por exemplo no samba "Good Bye Boy" e "Tem Francesa no Morro", nos quais se utiliza de expressões das duas línguas para fazer uma sátira daquele momento. É considerado, ao lado de Ary Barroso, um dos representantes do estilo samba-exaltação, tendo Valente uma veia mais crítica.
Era também o momento em que o governo federal, comandado por Getúlio Vargas, decidiu investir na cultura nacional e, em contrapartida, iniciou o processo de censura, então agravado na década de 60, com a ditadura militar. Na década de 50, as músicas de Assis Valente já não eram mais gravadas, coincidindo com o declínio das produções e gravações do samba tradicional. No seu lugar, a bossa-nova aparecia como representante da MPB no Brasil e exterior.
Já no fim dos anos 60 e início dos 70, o samba carioca tradicional passou por um momento de revalorização, com tentativas de resgate durante a chamada segunda fase da bossa-nova. Outros movimentos musicais, como o tropicalismo, também buscavam retomar as manifestações tradicionais da música brasileira. A música de Assis Valente voltou, então, a ser incluída no repertório dos artistas.

Curiosidades

Entre músicas e próteses

As ilustrações de Assis Valente chegaram a ser publicadas em revistas famosas da época, como a Fon-Fon, logo que ele chegou ao Rio, em 1927. O trabalho como protético também era elogiado, sendo considerado um dos melhores da cidade. O sócio José de Aguiar Dantas acabou a parceria no laboratório de próteses por causa da carreira artística de Valente, que o afastava das obrigações do negócio. Em 1938 a sociedade foi desfeita e o compositor abriu seu próprio laboratório.

Passos para a morte

As dívidas agravaram a situação financeira de Assis Valente. Após a tentativa de suicídio no Corcovado, tentou cortar os pulsos. A terceira e última tentativa de se matar ocorreu no dia 10 de março de 1958. Atolado em dívidas, foi à SBACEM (Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Música) verificar se havia algum dinheiro. Depois, comunicou sua morte ao editor Vicente Vitale e ao embaixador Pascoal Carlos Magno. Por volta das 18h daquele dia, num banco da Praia do Russel, morreu após tomar formicida com guaraná.

Cansaço da vida

Após sua morte, nos bolsos da calça que vestia foi encontrada uma carta para a polícia que dizia: "Vou parar de escrever, pois estou chorando de saudade de todos e de tudo". Também pediu a Ary Barroso para pagar os aluguéis atrasados. Na mesma carta afirmou que estava muito cansado das injustiças e enjoado de tudo. Segundo os biógrafos Dulcinéia Nunes Gomes e Francisco Duarte Silva, no livro "A Jovialidade Trágica de José Assis Valente", o compositor era homossexual e isso foi um dos motivos para o fim trágico.

Veja o repertório:

1.BRASIL PANDEIRO - Novos Baianos (1972)

2.UVA DE CAMINHÃO - Carmen Miranda (1939)

3.ALEGRIA - Vanessa da Mata (2002)

4.TEM FRANCESA NO MORRO - Aracy Cortes e conjunto Rosa de Ouro (1967)

5.CAI, CAI, BALÃO - Francisco Alves e Aurora Miranda (1933)

6.CAMISA LISTADA - Maria Bethânia (1968)

7.FEZ BOBAGEM - Elza Soares (1961)

8.O VENTO E A ROSA - Clara Nunes (1969)

9.ISSO NÃO SE ATURA - Carmen Miranda (1935)

10.E BATEU-SE A CHAPA - Carmen Miranda (1935)

11.RECENSEAMENTO - Ademilde Fonseca (1958)

12.E O MUNDO NÃO SE ACABOU - Carmen Miranda (1938)

13.BONECA DE PANO - Ronaldo Boldrin (1998)

14.DEIXA ISSO PRA LÁ - Cyro Monteiro (1956)

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