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No dia 11 de março de 1958- 2008, fez 50 anos que o compositor baiano Assis Valente partiu desta vida para uma outra vida melhor, porque a morte não é o fim, é um recomeço, é a continuidade num outro plano astral. Mas mesmo assim, Assis deixou saudades com suas músicas, marchinhas de carnavais alegres.
Jornalista e Assessora de Imprensa,
Flávia Almas!
Assis Valente e a estética da brasilidade
Duas letras de samba falam da brasilidade. Esta é a substância estética da cultura brasileira. Assis Valente foi um dos músicos que, na miséria da vida cotidiana popular do Rio no antigo século XX, criou um ambiente musical no qual fluía a poesia do homem comum como amor ao Brasil e, simultaneamente, como ironia do lugar do povo na brasilidade. Na música Brasil Pandeiro, Assis Valente faz um samba - outros sambas foram feitos na mesma linha - inquietante. Na letra, ele quer ver o Tio Sam tocar pandeiro para o mundo sambar. Mas a batucada brasileira não é a batucada infernal da África dos filmes hollywoodianos, de Tarzan. Há uma diferença gritante entre a batucada infernal afro-hollywoodiana e a sedutora batucada brasileira. A batucada infernal é o êxtase dos corpos negros em uma dança hiper-sensual. A batucada brasileira é a sedução morna , suave, em câmara lenta das cantoras da música popular brasileira. Não é a sedução da garota da bossa nova, a garota branca, loira das altas classes médias da década de cinqüenta.
José Paulo Bandeira da Silveira
A luso-brasileira Carmem Miranda levou o samba e sambistas para Hollywood. O Zé Carioca de Walt Disney lembra a papagaiada dos personagens de Carmem Miranda nos filmes que confundem o Rio de Janeiro com Buenos Aires. O Zé é o sambista- malandro das favelas ainda românticas do Rio. É a imagem de um país lúdico que desconhece a modernidade do trabalho capitalista. Tal imagem evoca a oposição entre o mundo da aventura e o mundo do trabalho de um Sérgio Buarque de Holanda. O brasileiro é a aventura e o americano o trabalho. A corporação capitalista Disney recolheu a "estética do malandro" como se fosse a estética do samba. O samba foi criado por trabalhadores humildes e também por artistas amadores. Mas o samba ficou conhecido no mundo pela lente distorcida das corporações capitalistas americanas do cinema. Neste samba dos americanos, o povo brasileiro é o Zé Carioca.
A bossa nova é a música de um projeto moderno-industrial de Brasil. A bossa nova foi cantada pelo Tio Sam, mas a Casa Branca jamais fez o mundo sambar com a batucada brasileira. Importantes músicos e cantores brasileiros foram viver nos EUA. A cantora lírica Bidu Saião e o músico João Gilberto - papa da bossa nova - escolheram a América como segunda pátria. Em geral, os brasileiros sempre adoraram a América. Deus salve a América e a cultura-eletrônica americana de massas!
Hoje vivemos em uma era de antiamericanismo brasileiro, mas, no passado, Assis Valente desejava que os EUA realizassem o sonho de mundialização da música realmente popular brasileira: o samba. Mas o Tio Sam só conheceu o Zé Carioca e reconheceu, com precisão, um Brasil da música brasileira das classes médias urbanas, a bossa nova. E tornou o samba de Carmem Miranda qualquer coisa, menos samba brasileiro! Pode parecer incrível, mas a bossa nova é a música do capitalismo dependente associado. É a era da internacionalização das grandes relações capitalistas de produção e da desnacionalização dos estratos superiores das classes médias latino-americanas. A bossa nova e outras bossas são a música de uma era de expansão em grande escala das classes médias do sudeste brasileiro, e em uma escala mínima das classes médias das outras capitais do Brasil. Se o Tio Sam tocasse o samba para o mundo, o povo deveria estar no lugar das classes médias no desenvolvimento do Brasil moderno e industrial. Isto não aconteceu! No vinte anos de regime militar, as classes médias urbanas passaram a olhar para o samba apenas como uma forma de divertimento. As classes médias do regime militar foram o buraco negro cultural da substância estética da cultura brasileira. No mundo do samba, não foram poucos os comunistas que lutaram contra a destruição da brasilidade no seio do povo e até entre as classes médias. Foi uma luta de glórias, e de uma derrota inglória. Na era do autoritarismo militar, a brasilidade foi sendo substituída por ideologias musicais virtuais-eletrônicas que acabaram por soterrar a fortuna da música popular brasileira. Hoje, o agenciamento musical dos indivíduos e das multidões aniquila a atmosfera de sedução, bem brasileira, que a música popular gerava, até nos ouvintes do rádio e nos espectadores da televisão. No lugar da sedução autêntica, a música do capital pôs um simulacro de sedução para o consumo fictício da sedução. Quando a ficção é tudo, as pessoas agenciam a ficção como realidade.
Oh! Meu Brasil. Esquentai vossos pandeiros, iluminai os terreiros, que nós queremos sambar. O povo quer sambar e viajar pelo mundo na música e fisicamente. A Europa acolheu o samba e uma parte dos dois milhões de brasileiros que vivem fora do país. Tantos brasileiros que, como Bidu Saião e João Gilberto, se exilaram por livre vontade. Estes brasileiros comuns recusaram o Brasil da música Recenseamento. Na brasilidade popular, tinha o samba, o pandeiro, o cavaquinho, o tamborim e, no cantinho o violão, muito amor, muita canção para fazer feliz a quem se ama, e mais as coisas belas e de valor do Brasil. Tinha a ausência de uma família legal, mas o moreno brasileiro era o fuzileiro que carregava a bandeira do batalhão. Na Segunda Guerra Mundial, o moreno brasileiro foi pela FEB (Força Expedicionária Brasileira) lutar contra o nazi-fascismo nos campos de batalha da Itália. E mostraram o valor do samba. Eles fizeram da batucada um grito de liberdade! Com os pracinhas, o samba foi sedução para os aliados e um grito de liberdade contra o despotismo fascista. Ao lutarem pela liberdade, eles foram celebrados em vida como heróis populares do Brasil. Com o fim da brasilidade, a dignidade e a honra dos pracinhas pode ser tratados como um detrito virtual de um mundo em decomposição. A lata de lixo da história é um fato real para os últimos pracinhas brasileiros. Agora, toda nudez será mal-dita, e todo pracinha será castigado! E a família do pracinha será amaldiçoada eternamente com o Nome-do-Pai.
Nelson Cavaquinho fez um samba (a letra está no final do texto) sobre o descaso com o artista popular. Na verdade, a celebração do artista brasileiro começa com o regime militar e a indústria de divertimento deste regime. Só com a entrada das classes médias na indústria musical e artística, o artista passou a ser festejado, celebrado e mimado pelos "podres poderes" do capital e do Estado. Nelson Cavaquinho viveu em uma época que o músico popular recebia as migalhas da festa musical e artística das classes médias. Seu lamento pode ser ouvido, antecipadamente ou não, no maravilhoso samba dele e de Nelson de Brito Quando eu me chamar saudade. Eles dizem, na música, que desejam a celebração do talento deles em vida. Se a música tem um valor para além da distração, a vaidade do artista precisa ser reconhecida e festejada. O artista é a encarnação autêntica e legítima, pois objetiva, do pequeno narcisismo freudiano. Ele é um narcisista para a glória de Freud e a glorificação do pequeno narcisismo. Gente foi feita para brilhar! Se não é assim, o valor da música já significa a morte, em vida, do artista. Ser apenas redescoberto na morte, eis a simulação do valor da brasilidade da música. Durante a ditadura militar, compositores populares - que viveram, a maior parte da vida, na miséria - foram descobertos por músicos emergentes das classe médias. Hoje, até este simulacro musical de brasilidade foi para a lixeira virtual da indústria eletrônica. Na Nova República, o simulacro de brasilidade musical foi substituído por simples ficções musicais de gosto indeterminado. É a realização do conceito de massa da psicologia despótica de um Gustav Le Bon. O gosto musical brasileiro desapareceu na Nova República. Se um dia o molho da baiana melhorou o prato americano, hoje, ele é servido como espetáculo eletrônico de uma cultura musical baiana que produz simulacros e ficções de brasilidade a granel.
Como a gente bronzeada já mostrou seu valor na indústria da cultura eletrônica, não adianta ir à Penha pedir ajuda para a padroeira. Além disto, se o samba não foi aos EUA, os EUA foram à Bahia. No Baião de Lacan, um compositor e psicanalista carioca lamenta, modernamente, o uso da música brasileira pelos músicos multimilionários dos EUA sintetizados na figura de um Paul Simon. Para ele, os músicos americanos não destroem apenas a brasilidade da música, eles destroem principalmente a música brasileira com técnica de apropriação poética do mundo. E sabemos que fazem isto apenas para continuar com os cofres abarrotados de dólares, euros e ienes. São o Tio Patinhas da música pop. Eles jogam a música brasileira na lata de lixo do capital de entretenimento. Hoje, já se pode afirmar que a música, em geral, é um discurso que não faz mais laço social.
Nas últimas décadas do século passado, compositores criaram um nova substância estética musical para a cultura brasileira. Nesta jornada, Alceu Valença, Carlinhos Brown, Chico Science, Zeca Pagodinho e o neoconcretismo de um Arnaldo Antunes já criaram o abc de uma nova estética da brasilidade para depois do colapso do capitalismo corporativo mundial. Esta nova brasilidade é uma abertura para a mundialização da cultura em uma era de cooperação fraternal e igualitária entre os povos. Na nova estética da brasilidade, a liberdade é um valor universal.
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